Precisamos procrastinar mais
- Leh Azevedo
- 7 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
Numa tarde a típica de quinta-feira em meio ao caos da greve dos caminhoneiros, onde sair de casa era praticamente impossível sem gasolina na cidade inteira, me peguei procurando alguma atividade para fazer. Não sei ao certo o que estava procurando, talvez uma lista mental de tarefas ou alguma distração, mas o que encontrei foi minha total inabilidade em não fazer nada.
Pessoalmente, não me lembro a última vez em que não fiz nada sem me sentir culpada por não estar fazendo algo mais “relevante” e sei que isso é uma epidemia geral. Afinal quem nunca ouviu um amigo dizer, eu estou aqui procrastinando mas deveria estar ___________ (estudando, trabalhando, investindo,…). Em um mundo como o de hoje, tudo é pra ontem. As coisas têm que ser rápidas, maiores e melhores a cada segundo. Cada minuto gasto com coisas “desnecessárias” te deixa mais um passo atrás na corrida, e enquanto você está procrastinando seu concorrente está gastando aquele tempo melhor e passando a sua frente. O tempo virou uma moeda de troca tão preciosa quando a gasolina nesse dia tão fatídico de greve.
Quando me vi obrigada a não fazer nada, percebi uma serie de coisas com as quais eu não podia ‘’perder tempo’’ estavam pendentes, e pior, percebi que elas eram importantes. Olhei para aquela massa de bolo que estava a semanas no fundo do armário, só esperando para ser compartilhada em um momento feliz na cozinha com os amigos, para aquele creme de cabelo comprado a tanto tempo para gastar alguns minutos com meu bem estar, para o pôr do sol no terraço de casa , que estava meses esperando que viesse vê-lo , para aquela serie de lugares perto de casa para os quais eu nunca fui, para os telefones de familiares e amigos para os quais eu não liguei.
Então fiz novamente uma observação, agora as coisas que eu tinha efetivamente feito. Estudei, chorei um pouco por ter falhado no item anterior, fiz as tarefas domésticas, comi ‘miojo’ vezes seguidas durante as semanas de matérias acumuladas, porque a final não há tempo para cozinhar com cálculo batendo a porta, dormi muito pouco por dia, tudo isso tentando alcançar a tal high performance da qual todos falam, alcançar o objetivo.
No fim ganhei amigos distanciados, uma família sem atenção, uma saúde péssima, ansiedade constante, notas regulares, e até o próprio objetivo tinha perdido um pouco de sentido. Além disso, tudo ainda é encoberto pelo cobertor da culpa, ora jogado pela sociedade e ora jogado por mim mesma, “você devia ter estudado mais”,” lembra aquele dia que você largou os livros e saiu com seus amigos”, “se você não tivesse ido almoçar você conseguiria”, “você devia ir estudando no ônibus pra casa, por isso não conseguiu dar conta de tudo”,” como assim ontem você viu um filme”,” por que você não mistura café com _____________ (acrescente aqui qualquer energético que vai gerar uma mistura perigosa ), para tentar ficar mais tempo acordado” , “você com certeza estudou errado”, “você vagabundeou demais”.
O que aconteceu é que nos esquecemos que, no fim, a procrastinação está tão intrínseca a natureza humana quanto respirar, é o tempo que usamos pra fazer a manutenção das nossas habilidades sociais e intrapessoais, é o tempo que usamos para olhar o próximo, encontrar nossa própria essência e dar sentido aos nossos objetivos, é o tempo que usamos para viver de fato, porque procrastinar é viver. E, caso você tenha se esquecido, o período em que você “faz coisas importantes” serve para tornar o seu viver melhor, não acabar com ele.

Para que no futuro, não seja necessário que o país pare para que enxerguemos o por do sol .
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